sábado, 5 de fevereiro de 2011

A Última Vez Em Que Vi Mary


           
               Era uma noite como outra qualquer.
            Depois de um dia inteiro tentando encontrar uma gravadora que acreditasse no meu trabalho, sem sucesso, vou como de costume ao bar do Joe para tomar um trago.
            Essa noite parecia que ia ser como tantas outras. Beberia uma garrafa de Jack Daniel’s ao som de Bruce Springsteen na velha vitrola.
            Mas essa noite só parecia que seria igual.
            Sentada em uma das mesas estava ela. Não tinha mais aquela esperança de quem um dia quis ganhar o mundo com sua música, nem aquele jeito de criança travessa que conseguira me conquistar.
            Mas estava lá.
            Estava diferente, tenho que confessar, mas uma coisa não mudara, tinha os mesmos olhos vivos com cor de ardósia por quem eu me apaixonara anos atrás. E já tinham se passado cinco anos desde que a vira pela última vez.
            Aquela tarde de novembro nunca saiu da minha cabeça, as suas palavras antes de partir ainda ecoam nos meus ouvidos, aquele último olhar ainda assombra minhas noites.
            E agora ela estava ali novamente, como se me perseguisse.
            Muitas coisas vieram na minha mente naquele instante, palavras que eu sempre ensaiei para dizer no dia que a reencontrasse.
            “Por que você foi embora?”
            “Por que não teve coragem de nos dar uma chance de verdade para sermos felizes?”
            Poderia ter dito isso, mas na hora que fitei aqueles olhos, os olhos que sempre me fizeram ter forças para seguir em frente nesses dias de aversão, a única coisa que consegui balbuciar foi um quase inaudível:
            - Olá.
            Que prontamente foi respondido.
            - Olá. Há quanto tempo?
            - Já faz mais tempo do que eu queria que fizesse. - Eu disse sentando.
            - Você parece bem!
            “Não tão bem quanto você”.
            Realmente ela havia mudado. Estava bem vestida, aquele ar de superioridade, não parecia aquela menina que eu conhecera anos atrás cantando The Last Time I Saw Richard da Joni Mitchell, com sua voz doce e harmoniosa.
            - Aceita um drink? - Perguntei.
            - Um Bloody Mary, por favor.
            Pedi ao garçom que trouxesse o que ela havia pedido e pra mim uma dose dupla de Whisky sem gelo.
            - O que trás você aqui depois de tanto tempo? - Perguntei, bebendo meu Whisky de uma só vez.
            - Queria ter certeza de uma coisa.
            - De que coisa?
            - Se ainda amava você.
            - E porque logo agora você quer ter certeza disso?
            - Vou me casar dentro de dois dias.
            “Mas por que diabos você veio remexer nesse passado”. Aquelas palavras invadiram minha mente como um turbilhão, me fazendo lembrar toda a nossa vida juntos. Dos momentos tristes e felizes. Do seu beijo. Do melhor amor que eu já tinha feito na minha vida.
            - Não se arrepende de ter fugido? De ter abandonado nosso futuro juntos? - Falei com a voz cheia de rancor.
            - Você sempre romantizando as coisas. Não mudou realmente. Continua o mesmo sonhador que tenta cantar sobre o amor tão docemente. Mas você sabe Richard, que todos os românticos vão encontrar o mesmo destino.
            - E de que destino você fala?
            - O destino da solidão, Richard.
            Os olhos dela antes flamejantes, agora pareciam tristes e marejados. Como se quisesse que as coisas fossem diferentes.
            - Fique comigo novamente. Vamos ser felizes juntos. - Eu disse, enquanto procurava um Lucky Strike no bolso esquerdo da minha jaqueta.
            - Não posso querido. Eu tenho um futuro agora. Chega de cantar em bares baratos para ganhar a vida.
            - Mas você ainda me ama. Se não amasse não teria voltado aqui hoje.
            - Eu ainda te amo - Sussurrou-me - E acho que sempre vou amar. Mas meu destino não é aqui.
            Ela disse isso com lágrimas nos olhos. Essa declaração consumiu toda a minha alma. Não tinha mais forças para lutar.
            - Por favor, só vá embora. - Eu implorei, baixando minha cabeça.
            Ela se levantou e foi em direção a porta, mas antes de sair ainda a percebi olhando em minha direção, não sei traduzir o que havia naquele olhar, se significava dor ou arrependimento, sentia que eu teria que continuar em frente depois daquilo, só não sabia como.
            Na vitrola ainda se podia ouvir as últimas notas de Hurt do Johnny Cash.
            Essa foi a última vez em que vi Mary.

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